dezembro 26, 2011

[ebook] A Christmas Carol - Charles Dickens

Título original: A Christmas Carol
Ano da edição original: 1843
Autor: Charles Dickens
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"It is the twenty-fourth of December. Mean old Ebenezer Scrooge sits in his freezing cold office shouting 'Bah! Humbug!' at anyone who dares wish him a Merry Christmas. But that night the miser has a terrifying visitor. Marley, his dead business partner who must wander the earth for ever to pay for his sins, comes with a warning. Scrooge will be haunted by three more spirits. The ghosts of Christmas past, present and future arrive to show Scrooge the hardship he has caused. Is he doomed to the same fate as Marley? Or can he mend his ways and learn to celebrate the true meaning of Christmas?"

De Charles Dickens apenas li o Oliver Twist e este A Christmas Carol, adorei o primeiro e gostei bastante do segundo.

Todos nós já ouvimos falar do avarento e mal-humorado Scrooge que odeia o Natal e que berra "Bah! Humbug!" a todos os que se atrevem a desejar-lhe um Feliz Natal!
Todos nós conhecemos a história do detestável Scrooge que, na noite de Natal, é surpreendido pela visita do seu sócio Marley, morto há uma data de anos. Marley, que em vida era tão avarento e detestável como Scrooge, encontra-se condenado a vaguear, sem direito ao tão ansiado descanso eterno, como penitência pelos seus pecados. Para aliviar a sua pena e ajudar o sócio, aparece-lhe na noite de Natal para o prevenir acerca do que o espera se não mudar de atitude e aprender a ser mais solidário. Anuncia-lhe então a visita de três espíritos do Natal: o do Passado, o do Presente e o do Futuro.
O espírito do Natal Passado leva-o aos Natais da infância e adolescência de Scrooge, onde Scrooge reencontra a irmã que tanto amava, mãe do seu único sobrinho que agora ignora e despreza, com receio de que ele apenas esteja interessado na sua fortuna. No Passado o coração de Scrooge começa a amolecer, relembrando com saudade os tempos em que, embora rodeado de dificuldades, até ele acreditava no Natal.
O espírito do Presente mostra a Scrooge a ceia em casa do seu empregado Cratchit, rodeado por uma família que o ama e que se preocupa com ele, onde presencia uma verdadeira festa familiar, cheia de alegria. A única sombra que paira sobre a harmonia da noite é a avareza e mesquinhez de Scrooge. O espírito leva-o ainda a casa do sobrinho, que todos os anos o convida para a ceia e apercebe-se, não só do impacto que as suas acções têm na vida dos que o rodeiam, como se reconhece que o sobrinho é sincero no afecto que insiste em demonstrar-lhe.
Por último, o espírito do Futuro leva Scrooge até ao dia em que a sua vida chega ao fim, numa noite de Natal fria e obscura, Scrooge morrerá sozinho, sem que ninguém o chore ou lamente a sua partida. Este é o futuro que aguarda Scrooge caso ele não altere a sua forma de lidar com os outros. Esta é a viagem no tempo que mais custa a Scrooge e, aquela que o coloca, definitivamente, na direcção da redenção final.
Após aquela estranha noite de Natal, o avarento Scrooge renasce e torna-se um verdadeiro amante do Natal e um dos pilares da comunidade.

Gostei imenso da personagem do Scrooge, da sua rabugice, do seu sentido de humor e confesso que achei a conversão dele muito rápida. Logo na visita do espírito do Passado ele já estava pronto para revolucionar a sua vida e, por isso, acabei por achar as visitas dos espíritos seguintes quase como uma forma de tortura e sinceramente teria gostado mais do livro se este tivesse mais Scrooge rabugento e menos do Scrooge bonzinho e piedoso. ;)
É um livro que aproveita para fazer crítica social, retratando uma Londres sombria e triste, com muita pobreza e miséria e Dickens, à semelhança do que faz em Oliver Twist, dá especial atenção às crianças e à dureza da sua vida naqueles tempos.

Já tinha gostado muito do Oliver Twist, e andava com vontade de ler mais coisas do Charles Dickens. Vai daí, achei que este Conto de Natal poderia ser ideal para melhorar o meu humor natalício. Confesso-me uma daquelas pessoas que acho esta época muito deprimente. Simplesmente fico deprimida nesta época e o meu sonho é adormecer uma semana antes do Natal e só acordar dia 1 de Janeiro. É isso, ou então apanhar um avião para um sítio onde possa estar debaixo de um sol abrasador e com os pezinhos de molho. :) Enfim, com depressão ou sem ela, a verdade é que acabo sempre por achar piada à noite e ao dia em si... Como se costuma dizer: "cada maluco com a sua mania!. :)

Quanto ao livro só o posso recomendar, não só porque é muito mais do que um Conto de Natal, mas também porque é um bom conto de Natal, muito bem escrito e com um protagonista delicioso. Adorei o rabugento do Scrooge! :p

Boas Festas e Boas Leituras!

Excerto:
"‘Are there no prisons?’ asked Scrooge.
‘Plenty of prisons,’ said the gentleman, laying down the pen again.
‘And the Union workhouses?’ demanded Scrooge. ‘Are they still in operation?’
‘They are. Still,’ returned the gentleman, ‘I wish I could say they were not.’
‘The Treadmill and the Poor Law are in full vigour, then?’ said Scrooge.
‘Both very busy, sir.’
‘Oh! I was afraid, from what you said at first, that something had occurred to stop them in their useful course,’ said Scrooge. ‘I’m very glad to hear it.’
‘Under the impression that they scarcely furnish Christian cheer of mind or body to the multitude,’ returned the gentleman, ‘a few of us are endeavouring to raise a fund to buy the Poor some meat and drink. and means of warmth. We choose this time, because it is a time, of all others, when Want is keenly felt, and Abundance rejoices. What shall I put you down for?’
‘Nothing!’ Scrooge replied.
‘You wish to be anonymous?’
‘I wish to be left alone,’ said Scrooge. ‘Since you ask me what I wish, gentlemen, that is my answer. I don’t make merry myself at Christmas and I can’t afford to make idle people merry. I help to support the establishments I have mentioned — they cost enough; and those who are badly off must go there.’
‘Many can’t go there; and many would rather die.’
‘If they would rather die,’ said Scrooge, ‘they had better do it, and decrease the surplus population. Besides — excuse me — I don’t know that.’"

Notas:
Podem ver uma das adaptações desta obra de Dickens ao cinema, Scrooge, de 1935, aqui:
http://www.archive.org/details/Scrooge_855

Outras adaptações:
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_A_Christmas_Carol_adaptations

Sendo a mais recente a da Disney que conto ver em breve:

dezembro 24, 2011

Boas Festas!

O Quero Um Livro deseja a todos um Feliz Natal, repleto de Alegria, e que 2012 traga para todos apenas e só coisas boas!

Nenhuma mensagem de boas festas está completa sem o desejo de que, o ano de 2011 termine com leituras inesquecíveis e que, 2012 seja um ano de leituras memoráveis! :)

Divirtam-se!

dezembro 21, 2011

A Mosca da Morte - Patricia Cornwell

Título original: Blow Fly
Ano da edição original: 2003
Autor: Patricia Cornwell
Tradução: Lucinda Santos Silva
Editora: Editorial Presença

"Em O Último Reduto alguém planeou uma terrível cilada à médica-legista Kay Scarpetta e ela arriscou-se seriamente a ir parar ao banco dos réus. Na esperança de encontrar alguma paz, Scarpetta muda-se para a Florida dedicando-se agora à consultoria privada. Contudo, o passado insiste em cruzar-se com o presente quando Scarpetta recebe notícias de Jean-Baptiste Chandonne, um louco dado aos prazeres do assassínio em série, que foi condenado à pena de morte, e que exige falar com Scarpetta, alegando possuir valiosíssimas informações que a Polícia desejaria obter. Mas uma descoberta assombrosa fará com que Scarpetta se sinta traída e profundamente revoltada com aqueles que mais estima…Um thriller brilhante escrito pela mão de uma das maiores especialistas deste género literário."

Andava com vontade de ler um policial e, confiando na sinopse, vai de ler um "escrito pela mão de uma dos maiores especialistas" do género, que não estou para fazer a coisa por menos. :) Não foi espectacular mas também não foi mau, houve partes de que gostei bastante (tanto quanto consigo gostar de policiais) e outras que me aborreceram. Aspecto positivo: gostei mais do que estava à espera e descobri que até sou capaz de gostar daqueles policiais mais tradicionais, do género Agatha Christie, que não me lembro de alguma vez ter lido. :)

Acho que falar deste género de livros sem revelar, de fio a pavio, o que lá se passa, é muito complicado. Neste caso em particular, sinto uma dificuldade acrescida porque A Mosca da Morte faz parte de uma série de livros, onde a Drª Kay Scarpetta é a personagem central e, para quem siga a saga, todas as personagens são velhos conhecidos. Por isso a apresentação das personagens não é feita neste livro, estas acabam mesmo por ser pouco exploradas e a relação entre elas, para quem não leu os outros livros, é muitas vezes confusa e pouco aprofundada pela autora. Sinto que é como comentar um pequeno excerto de uma história que, no seu conjunto é, possivelmente (porque nunca li mais nada da autora) mais interessante.

Mas, de uma forma resumida, neste livro estamos em 2004, seis anos depois de Jean-Baptiste Chadonne ter sido preso e condenado à morte por ter morto dezenas de mulheres e ter tentado matar Kay Scarpetta por quem mantém, mesmo no corredor da morte, uma estranha obsessão. O irmão gémeo de Jean-Baptiste, Jay Talley que partilha com o irmão o gosto por torturar e matar mulheres e a obsessão por Scarpetta, é o homem mais procurado dos Estados Unidos e continua a sua procura insana pelo termo certo que defina o que as suas vítimas sentem.
Numa trama, mais ou menos complexa, Jean-Baptiste, que não tem qualquer intenção de morrer na prisão de alta segurança, pelo menos sem antes terminar o que iniciou com Scarpetta, desencadeia uma série de acontecimentos com consequências imprevisíveis.
Um pouco alheada do verdadeiro perigo que corre, Scarpetta não se apercebe daquilo que as pessoas que a rodeiam e amam são capazes de fazer para a proteger... inclusive regressar do mundo dos mortos. ;)

E não vale a pena acrescentar mais nada acerca desta história cujo tema subjacente parece ser a obsessão. :)

Resumindo e baralhando, achei o livro "morno". Inicialmente pareceu-me interessante, estava a gostar da escrita e da forma como a história se desenvolvia mas, a páginas tantas, dei por mim a achar que a história estava a ser esticada, sem grandes desenvolvimentos, senti-me um pouco perdida relativamente ao passado das personagens, às insinuações feitas sem que depois houvesse uma explicação ou um desenvolvimento no sentido de as enquadrar na história. Acredito que muita da minha estranheza não existiria se tivesse seguido a ordem correcta dos livros mas, a verdade é que só depois de terminar a leitura descobri que o livro fazia parte de uma série e, embora essa descoberta tenha acabado por dar algum sentido à minha estranheza, acabei por ter pena de o livro não fazer muito sentido separado dos outros.

Enfim, não recomendo o livro em si, mas acho que posso recomendar a leitura, respeitando a ordem de edição, da série dedicada à Drª Scarpetta, porque gostei bastante da escrita e as personagens devidamente enquadradas têm potencial.

Boas leituras!

Excerto:
"Observa a mulher. É um cordeiro. Na vida há apenas dois tipos de pessoas: lobos e cordeiros.
A determinação de Jay para descrever perfeitamente a forma como os seus cordeiros se sentem tornou-se uma busca imparável, obsessiva. (...)
Agacha-se no chão do barco e escuta a respiração rápida, débil, do seu cordeiro. Ela estremece quando o terramoto de horror (à falta do termo exacto) lhe sacode todas as moléculas, causando uma destruição insuportável.
(...)
- Qual é a palavra? Diz-me o que sentes. E não me respondas assustada. És professora, porra. Deves ter um vocabulário com mais de cinco palavras.
- Sinto... sinto aceitação - diz ela soluçando.
- Sentes o quê?
- Não me vai libertar - diz ela. - Já percebi."

dezembro 08, 2011

O Revisor - Ricardo Menéndez Salmón

Título original: El Corrector
Ano da edição original: 2009
Autor: Ricardo Menéndez Salmón
Tradução: Helena Pitta
Editora: Porto Editora

"Em 11 de Março de 2004, a história de um país denominado Espanha sofreu uma mudança irreversível. Este romance fala-nos desse dia terrível e, mais tarde, da sua reconstituição por um revisor de provas. Um revisor que é obrigado a corrigir os erros dos outros e que, naquele dia, tropeça numa errata incorrigível escrita no livro da realidade. Concebido como o testemunho de um cidadão comum, mas sobretudo como uma confissão de amor, O Revisor é uma homenagem àqueles que nos permitem manter o bom senso nos tempos de incerteza e um testemunho impressionante acerca do poder do amor nas suas diversas formas - a amizade, a paternidade, a sexualidade - como abrigo contra a inclemência da vida e contra as mentiras do Poder. Assim, se A Ofensa indagava a Segunda Guerra Mundial num cenário de História lida e interpretada, se Derrocada se interrogava, a propósito dos nossos medos, através da História intuída ou imaginada, O Revisor aproxima-se, sem rodeios, através do narrador implacável, da História vivida e protagonizada na primeira pessoa."

Terceiro e último volume da Trilogia do Mal de Ricardo Menéndez Salmón, composta por A Ofensa, Derrocada (ambos já aqui devidamente esmiuçados) e este O Revisor. A Trilogia do Mal valeu a RMS vários prémios e o reconhecimento como um dos mais promissores escritores espanhóis e depois de ter lido os três livros é fácil perceber o porquê. Eu fiquei fã... :)

O Revisor aborda, mais uma vez, o tema do Terror, da Maldade, focando-se no dia 11 de Março de 2004, o dia dos atentados em Espanha, levados a cabo pela Al-Qaeda. Na verdade este acontecimento serve apenas como justificação para a reflexão que é feita acerca do terror, da maldade mas, neste livro, principalmente sobre a inércia que tomou conta das sociedades ditas desenvolvidas, depois de os grandes conflitos terem terminado, nomeadamente com a queda da União Soviética. De repente não havia nada para temer, não havia um ideal comum pelo qual lutar, de repente temos tempo para nós, tornamo-nos individualistas e temos acesso a tudo o que sempre desejámos. Rodeamo-nos de coisas materiais e vamos deixando de pensar. A História é coisa do passado e aparentemente não lhe queremos acrescentar nada. Até ao dia em que nos lembram que existe vida para além daquilo que conseguimos vislumbrar do nosso quintal. Num instante passamos de um modo de vida apático, onde "a felicidade, que se nos impunha como um dever, não como um direito", é substituída pelo Medo. O medo é para a nossa época o "estandarte, o seu manancial de dor, o seu firmamento".

Vladimir é revisor de livros e no dia 11 de Março de 2004 está a trabalhar na revisão do Demónios de Dostoiévski quando é interrompido por Uribesalgo, o seu editor, que lhe dá a notícia dos atentados em Madrid. O livro decorre todo nesse fatídico dia 11, com algumas viagens ao passado e ao futuro. Vladimir coloca nestas páginas pensamentos perturbadores, como o de andarmos todos meio adormecidos e, só quando algo nos atinge, de forma mais directa, parecemos acordar para a vida. O facto de a televisão se ter tornado em muito mais do que uma janela para o mundo e ter passado a ser, para muitos de nós, uma forma de viver ou, antes uma forma de passarmos pela vida sem grandes percalços e chatices. Muitos de nós apenas conhecemos a morte que vemos na "caixinha mágica", não lhe conhecemos o cheiro e o que nos provoca é um ligeiro desconforto que depressa desaparece. Todos os dias somos bombardeados com a morte, aos milhares, na China ou em África e nem pestanejamos, no entanto, quando vemos o número de vítimas mortais do atentado a aumentar somos arrancados para fora da nossa zona de conforto e sentimos tudo como uma afronta pessoal. E achamos estranho que a vida continue e que nesse dia seja possível existirem gargalhadas.

O livro acaba por ser uma mescla dos pensamentos que vão passando pela cabeça de Vladimir. Como é que esse dia o afectou e aos que o rodeiam, a forma como ele vê todo aquele terror, as justificações que encontra para aliviar o seu próprio medo, ao mesmo tempo que se sente emocionalmente distante da dor do amigo Robayna, que vive em Madrid.

É um livro que se lê num ápice, com capítulos muito curtos é fácil manter um bom ritmo de leitura. À semelhança dos outros dois livros de RMS a escrita é muito envolvente e, numa história em que praticamente não acontece nada, não existiu um único momento de aborrecimento, antes pelo contrário, quando dei por mim estava a ler a última página.
Volto a frisar que RMS tem a extraordinária capacidade de escrever livros com o tamanho certo, nem uma página a mais nem a menos, apenas as suficientes para passar a mensagem. :)

Recomendo, não só este, mas toda a Trilogia do Mal!

Uma nota para o bom trabalho da Porto Editora com esta trilogia que, para além da indiscutível qualidade literária dos livros, apostou em edições de muita qualidade e a um preço extremamente acessível.

Boas leituras!

Excerto:
"Mas o problema íntimo que nos inquietava, aquele com que nos enfrentávamos ao redigirmos o rol dos nossos afãs e ao vermos os filhos dos nossos amigos transformados em espectros que percorriam apáticos as auto-estradas da informação, era nunca termos a certeza de que o que estávamos a ver, a comprar ou a comer fosse mais do que um holograma ou que uma flatulência cerebral; o problema, quando a história era só uma disciplina morta acerca da qual podíamos conversar em alguns ágapes e reuniões de diletantes, era já nessa altura, no auge da indolência, negligentes como chimpanzés, sermos frequentemente assaltados pela suspeita de que o nosso mundo era uma palavra escrita a giz numa parede húmida por um rapaz sem futuro."

dezembro 06, 2011

A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile - Gabriel García Márquez

Título original: La Aventura de Miguel Littín, Clandestino en Chile
Ano da edição original: 1986
Autor: Gabriel García Márquez
Tradução: Margarida Santiago
Editora: Publicações Dom Quixote (Colecção Autor Nobel - Revista Sábado)

"A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, conta-nos de uma forma magistral, a verdadeira história do realizador chileno que, proibido de entrar no seu país, aí filmou clandestinamente durante seis semanas. Este livro de Gabriel García Márquez é, pelo método de investigação e pelo carácter do material, uma reportagem. Mas acima de tudo é a reconstituição emocional de uma aventura muito mais íntima e comovedora. Uma obra ímpar, de leitura obrigatória."

Miguel Littín é um dos mais conceituados realizadores chilenos e que, por ser apoiante declarado de Salvador Allende, viveu exilado durante os anos da ditadura de Pinochet. Em 1985, após 12 anos no exílio, Miguel Littín, entrou clandestinamente no Chile, onde permaneceu seis semanas, durante as quais filmou o documentário "Acta General de Chile". Uma reportagem emocionada de um regresso à muito desejado e não satisfeito na totalidade por não poder ser ele próprio no seu país, continuando a sentir-se, de certa forma, exilado,
"embora ainda me encontrasse exilado dentro de mim próprio: usava uma identidade falsa, um passaporte falso e até uma esposa falsa".

Em A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, Gabriel García Márquez relata essas seis semanas em que o realizador pôde passear pelo país, sentir a pulsação dos chilenos, o seu medo e a repressão existente, disfarçada, numa primeira impressão, pelo aparente progresso e prosperidade.
Esta primeira impressão assustou Littín, que sentiu, inclusive, algumas dúvidas acerca da veracidade dos relatos que chegavam a quem se encontrava longe do Chile,
"...ao contrário do que nos contavam no exílio, mostrava-se uma cidade resplandecente com os seus veneráveis monumentos iluminados, e as suas ruas limpas e em ordem."

Um olhar mais atento ao rosto dos chilenos revelou que na verdade o seu país tinha mudado e não para melhor,
"As almas estavam nos seus rostos sacudidos pelo vento gelado. Ninguém falava, ninguém olhava numa direcção definida, ninguém gesticulava nem sorria, ninguém fazia o menor gesto que traísse o seu estado de alma dentro dos casacos escuros, como se todos estivessem sozinhos numa cidade desconhecida."

E, depois de um período de adaptação à identidade que lhe permitiu regressar ao Chile e ao próprio país, Littín filma o seu documentário e vai-nos relatando os sustos, as aventuras, as alegrias e as peripécias que aconteceram nas seis semanas que permaneceu no Chile.
Achei deliciosas algumas passagens, como a do equívoco causado pela palavra "escanhoar", aparentemente caída em desuso nos 12 anos que Littín andou pela Europa.

Embora seja notória a influência de Gabriel García Márquez na forma como o relato de Miguel Littín chega até nós, a verdade é que pouco espaço há para a imaginação fértil do escritor e, por isso este não será um daqueles livros que nos deixam de alma cheia. É, à semelhança de outros que o autor tem publicados como o O Relato de um Náufrago (uma pequena pérola do García Márquez) ou Notícia de Um Sequestro, um livro que faz com que olhemos para factos históricos de uma forma diferente. Como já disse anteriormente, Gabriel García Márquez até uma lista de compras consegue tornar interessante e, tendo em conta que este livro nada tem a ver com listas de compras, o resultado só pode ser bom! :)

Embora de início me parecesse um pouco distante e sem que nada acontecesse realmente, apenas a sensação de que poderia acontecer alguma coisa que depois não se concretizava, ganha algum ritmo lá para o meio e no fim fechamos o livro com alguma pena. :)
Fiquei também, com curiosidade para ver o documentário que resultou desta aventura clandestina no Chile de Pinochet.

Recomendo, como não poderia deixar de ser.

Boas leituras! :)

Excerto:
"A sua memória multiplica-se em todos, nos velhos que votaram nele quatro vezes, nos que votaram três vezes, nos que o elegeram, nas crianças que só o conhecem pela tradição da memória histórica. Várias mulheres entrevistadas repetiram a mesma frase: «O único presidente que falou sobre os direitos da mulher foi Allende.» Porque quase nunca dizem o seu nome mas referem-se a ele como «o Presidente». Como se ainda o fosse, como se tivesse sido o único, com se estivessem à espera que regressasse. Mas o que perdura na memória das poblaciones não é tanto a sua imagem como a grandeza do seu pensamento humanista. «Não nos importa a casa nem a comida, mas sim que nos devolvam a dignidade», diziam. E concretizavam:
- A única coisa que queremos é o que nos tiraram: voz e voto."

novembro 27, 2011

a máquina de fazer espanhóis - valter hugo mãe

Título original: a máquina de fazer espanhóis
Ano da edição original: 2009
Autor: valter hugo mãe
Editora: Alfaguara Portugal (Objectiva)

"Esta é a história de quem, no momento mais árido da vida, se surpreende com a manifestação ainda de uma alegria. Uma alegria complexa, até difícil de aceitar, mas que comprova a validade do ser humano até ao seu último segundo. a máquina de fazer espanhóis é uma aventura irónica, trágica e divertida, pela madura idade, que será uma maturidade diferente, um estádio de conhecimento outro no qual o indivíduo se repensa para reincidir ou mudar. O que mudará na vida de antónio silva, com oitenta quatro anos, no dia em que violentamente o seu mundo se transforma?"

Adiei a leitura deste livro durante alguns meses com medo de que não correspondesse às expectativas. Agora que o li vejo que os receios não tinham qualquer razão de ser. Este livro é tudo aquilo que já se disse acerca dele e muito mais. Gostei mesmo muito! :) E, quando gosto muito enfrento a típica dificuldade de colocar em palavras o porquê de ter gostado... Muitas das coisas de que gostamos, gostamos porque sim, sem necessidade de esmiuçar o porquê. Gostamos e pronto... Neste caso a reacção não é tão irracional ou emotiva, não é apenas gosto porque sim. As razões são fáceis de identificar e não são originais: está muito bem escrito, o tema é original e a forma como é abordado é tudo menos previsível, as personagens estão muitíssimo bem desenvolvidas e é divertido na mesma medida em que é angustiante e triste. Poderia continuar a enumerar razões que justifiquem o meu "Gostei mesmo muito!" e não seriam de todo originais, pois já foram utilizadas muitas outras vezes em posts anteriores aplicados a outros livros e escritores. Porque é que a máquina de fazer espanhóis é diferente? Talvez porque aquilo que não conseguimos exprimir por palavras é o que distingue um livro bom de um livro especialmente bom. Talvez seja isso... :)

E porque a dificuldade em escrever esta opinião estar a ser grande mas, também porque a minha vontade enquanto lia o livro era transcrevê-lo na íntegra para aqui, vou recorrer mais do que o normal a passagens do livro. ;)

O livro é todo ele passado num lar de terceira idade, o lar da feliz idade, onde o mais recente utente, antónio silva, ou senhor silva, ingressa após a morte de laura, a companheira de uma vida e o amor da vida dele.

"a laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um álbum de fotografias. foi o que fizeram. depois, nessa mesma tarde, levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de perder a minha mulher. depois, ainda nessa tarde, trouxeram uma imagem da nossa senhora de fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de ganhar um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma."

O que não aconteceu, a imagem de nossa senhora de fátima foi baptizada de mariazinha e as pombinhas arrancadas da nuvem fofa para servir outros propósitos. :) mariazinha foi, no entanto, muitas vezes companhia para a solidão do senhor silva e um conforto no meio do pesadelos que o assomavam durante a noite. Credo religioso? Talvez sim, talvez não. :)

A tristeza do senhor silva pela perda de laura é de cortar o coração, o amor que transparece em todas as suas palavras é comovente, mais ainda quando vêm de um octogenário. Sejamos sinceros, poucos de nós olhamos para as pessoas de idade como pessoas que ainda possam dar tanto e amar tanto de uma forma tão boa. O que é estranho, porque todos nós o desejamos, no entanto não reconhecemos nos outros essa capacidade. Somos criaturas estranhas e, deve ser verdade que a sabedoria vem com a idade. :)

"eu ia tomar chá sozinho, adorando as nossas brigas de namorados. tão imaturos quanto os mais jovens. tão feitos um para o outro quanto possível. já conhecedores do caminho das pedras que, ao fim de uma ou duas horas, nos levaria novamente ao coração um do outro com mimos e promessas de eterno amor."

"com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutria pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu, devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante."

Fiquei impressionada com a revolta que emanava das palavras desta personagem e com a humilhação que sentia. Senti-me pessoalmente atingida pelas palavras de revolta do senhor silva, pela forma como se sentia desprezado e diminuído pelas pessoas mais novas. É mesmo isto que nos espera a todos? Fazemos mesmo isto, ainda que inconscientemente e com boas intenções? Os nossos "velhos" sentem-se realmente assim?
Perguntas retóricas, porque todos sabemos qual é a resposta e, todos sabemos que este é daqueles pensamentos, como a morte, que preferimos não aprofundar muito...

"estou entregue, pensei. aos meus pés os dois sacos de roupa e uma enfermeira dizendo coisas simples, convencida de que a idade mental de um idoso é, de facto, igual à de uma criança. o choque de se ser assim tratado é tremendo e, numa primeira fase, fica-se sem reacção. se aquela enfermeira pudesse acabar com aquele sorriso, ao menos acabar com aquele sorriso, seria mais fácil para mim entender que os meus sentimentos valiam algo e que sofrer pela laura não vinha de uma lonjura alienígena, não era uma estupidez e, menos ainda, vinha de um crime para clausura e tudo. e ela sorria e eu poderia desejar-lhe, com tanto desprezo, o pior mal do mundo. que lhe arrancassem os braços e as pernas, pensava eu, tirem-lhe os olhos e façam-lhe perder a voz e chamem-lhe cabra porque é o que ela merece. senhor silva, com esta mantinha vai ficar quentinho à noite. ainda aqui vai ter muitos sonhos bonitos, vai ver."

"gosto desta maldade, não podemos ficar velhos e vulneráveis e todas as coisas, temos de nos rebelar aqui e acolá, caramba, temos de estar a postos para alguma retaliação, algum combate, não vá o mundo pensar que não precisa de tomar cuidado com as nossas dores."

Embora o início do livro pareça todo ele um desfiar de recordações, de recusas em pertencer aquele lugar, de resistência a uma nova espécie de felicidade, como se isso fosse ofender quem partiu, o livro não é apenas isso. A morte está sempre presente, as doenças idem idem aspas aspas, mas também estão presentes a amizade, o amor, a alegria, a gargalhada e a vida. Naquele lar da feliz idade ainda há muita vida. :) E, até o rabugento do senhor silva acabou por reconhecer que ainda não tinha vivido e aprendido tudo.

"depois confessei-lhe, precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia. este resto de vida, américo, que eu julguei já ser um excesso, uma aberração, deu-me estes amigos. e eu que nunca percebi a amizade, nunca esperei nada da solidariedade, apenas da contingência da coabitação, um certo ir obedecendo, ser carneiro. eu precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de amizade."

Para além do senhor silva, valter hugo mãe, apresenta-nos outras personagens igualmente idosas que se tornam o apoio do senhor silva, eles próprios com as suas tristezas pessoais, mas melhor adaptados ao que é esperado deles. São homens que trazem da tristeza profunda um senhor silva, perdido sem a laura. Juntos, riem, fazem partidas, gozam com as mazelas uns dos outros e com a religião e criam, quando já pouco se espera, laços que talvez nunca tivessem sido possíveis de criar noutras condições.
São eles o Esteves sem metafísica, centenário, que Fernando Pessoa imortalizou no poema Tabacaria, o senhor pereira, o conciliador do grupo e o primeiro grande amigo do senhor silva, o anísio franco, também ele octogenário mas cheio de vida e de projectos e, por último o silva da europa, o mais novo do grupo, sexagenário, funcionário da clínica onde laura morreu e que estava junto do senhor silva quando a notícia lhe foi dada. O silva da europa é um anti-fascista convicto e é dele a expressão que dá título ao livro:

"e sabem que mais, portugal ainda é uma máquina de fazer espanhóis. é verdade, quem de nós, ao menos uma vez na vida, não lamentou já o facto de sermos independentes. quem, mais do que isso até, não desejou que a espanha nos reconquistasse, desta vez para sempre e para salários melhores. deixem-se de tretas, meus amigos, que o patriotismo só vos fica mal, bem iam assentar-vos uns nomes à maneira, como pepe e pablo, diego e santiago, assim a virar para o lado de lá da fronteira, onde se come mais à boca grande e onde sempre houve mais ritmo no sangue. aqui, enquanto houver um salazar em cada família, estamos entregues ao inimigo."

Este livro é um murro no estômago, um dedo na ferida, e, embora angustiante, desconfortável e triste é, ao mesmo tempo, enternecedor, divertido, inesperado e incrivelmente bem escrito. :)
valter hugo mãe, numa escrita despida, límpida e fluída, numa história sem preconceitos e surpreendente, onde as personagens são muito bem exploradas é bem capaz de ter escrito um dos melhores livros que já li! Gostei mesmo muito!

Recomendadíssimo, como é óbvio! ;)

novembro 20, 2011

Maligna - Joanne Harris

Título original: The Evil Seed
Ano da edição original: 1989
Autor: Joanne Harris
Tradução do Russo: Isabel Alves
Editora: Edições Asa (edição de 2011 - revista pela autora)


"Algo dentro de mim recorda e não esquecerá...

Alice e Joe têm em comum a paixão pela arte - ela é pintora e ele é músico - e, em tempos, estiveram também unidos pelo amor que sentiam um pelo outro. As suas vidas seguiram diferentes rumos, mas o reencontro é inevitável. Joe tem agora uma nova namorada, Ginny, que provoca em Alice uma intensa perturbação. A beleza etérea e singular de Ginny repele-a, e o seu sinistro grupo de amigos atemoriza-a. Os hábitos estranhos da jovem deixam Alice suficientemente inquieta para levar a cabo uma investigação por conta própria. E o que descobre vai mudar tudo. Ginny tem em seu poder um velho diário que conta a trágica história de amor de Daniel Holmes e Rosemary Virginia Ashley, cujo poder de sedução não conhece limites. Só que Rosemary morreu há meio século... mas o seu magnetismo não está certamente extinto. À medida que as histórias se entrelaçam, passado e presente fundem-se; Alice apercebe-se de que o seu ódio instintivo em relação à nova namorada de Joe pode não se dever apenas ao ciúme, já que algo em Ginny a arrasta irremediavelmente para um universo de insondável obsessão, vingança, sedução e sangue..."

É bom regressar a um porto seguro e familiar depois de ter andado a vaguear por paragens desconhecidas, estranhas e nem sempre boas. :) Este livro devolveu-me a vontade de ler e isso é, por si só, motivo para ter um lugar especial nas minhas leituras deste ano. ;) Se acrescentarmos a isso, o facto de ser da Joanne Harris a minha opinião nunca poderia ser negativa!

A história é narrada em dois tempos, o tempo de Rosemary e Daniel Holmes e o tempo de Alice, Ginny e Joe.
Daniel é um jovem com 25 anos, intelectual e pacífico que vê a sua vida mudar no dia em que, de forma heróica, salva Rosemary de uma morte certa no rio. Rosemary é uma rapariga estranha, aparentemente frágil e vulnerável, é dona de uma beleza etérea, que deixa Daniel completamente apaixonado. Provoca no jovem uma impressão tal que Daniel nunca mais será o mesmo.
Cerca de 50 anos depois de Daniel ter salvo a vida de Rosemary, é-nos apresentada Alice, uma artista e pintora promissora que perdeu a capacidade de ser feliz no dia em que o namorado Joe, a abandonou. Quando este lhe liga, passados três anos sem dar notícias, para lhe pedir um favor que envolve Ginny, a sua nova namorada, Alice não lhe sabe dizer que não e acaba por ser arrastada para o meio de uma história de terror, com personagens sinistras e assustadoras.

O que liga estas personagens é o que vai sendo desvendado à medida que a história é contada, e que história! :)

As minhas expectativas para este livro eram relativamente baixas. E porquê? Porque Maligna (The Evil Seed no original) foi o primeiro livro que Joanne Harris escreveu e editou e, é um livro sobre... uma espécie de vampiros. :) Terminada a leitura cabe-me dizer que, para primeiro livro não está nada mal e que, na realidade, os vampiros são mais criaturas malignas, que para além da maldade a única coisa que têm em comum com as míticas criaturas da noite é a sede de sangue. Tudo o resto é diferente. Aliás, a autora nunca os denomina dessa forma, são antes almas imortais, cuja imortalidade reside na memória dos vivos. :)

Afastados os receios iniciais acabei por gostar bastante do livro porque, simpatias à parte, é um livro bem escrito, que se lê muito bem, leve, mesmo com todas as descrições nojentas incluídas, que foge muito à típica história de vampiros e de horror, e que tem personagens bem desenvolvidas com as quais conseguimos criar empatia.

Posto isto, recomendo, como não poderia deixar de ser. ;)

Boas leituras!

Excerto:
"Nenhum nome lhe serve, digo-lhe; do mesmo modo, todos os nomes servem. Só sei que ela é velha, tão velha como a corrupção de onde veio, embora ao mesmo tempo, monstruosamente jovem. Ela é algo que transcende a lenda, como Deus transcende superstições infantis de pães e peixes. Suponho que Jung lhe teria chamado uma anima pérfida; como vês, também sei falar na tua linguagem, sei usar os teus argumentos melhor do que tu, mas isso não pode exorcizar a criatura demoníaca que governa os meus sonhos. A imagem de sangue que transcende todas as minhas visões dela agonia-me e excita-me, como dirias, suponho, que a minha concepção da minha própria sexualidade me horroriza."

novembro 07, 2011

Balada da Praia dos Cães - José Cardoso Pires

Título original: Balada da Praia dos Cães
Ano da edição original: 1982
Autor: José Cardoso Pires
Editora: Booket (Dom Quixote)

"O romance foi escrito no período pós-revolução de 25 de Abril de 1974. A acção situa-se no princípio dos anos 60, e retrata alguns aspectos da sociedade portuguesa em plena época da ditadura salazarista. Relata a investigação dum assassínio; e a história começa com o relatório da descoberta de um cadáver enterrado na Praia do Mastro em 3 de Abril de 1960. Mais tarde, a polícia descobre tratar-se do major Luís Dantas Castro, um militar preso por tentativa de rebelião contra o regime vigente e que escapara da prisão."

Tenho de confessar que este livro me custou imenso a ler. Sinto-me saturada e, parece que a minha cabeça entrou em greve, estando a entrada/aquisição de novos conhecimentos sujeita a serviços mínimos. :) Ando com muito pouca paciência e sinto que a opinião com que fiquei deste livro reflecte exactamente isso. Achei o livro confuso, por vezes aborrecido e não houve uma única vez em que não adormecesse com ele nas mãos... Mas até gostei, não adorei, mas também não desgostei... :/ Não terá sido a melhor altura para o ler, isso é certo, mas enfim, foi nestas condições e é nestas condições que vai ficar.

Falando do livro que é para isso que aqui estamos.
Em a Balada da Praia dos Cães, é relatada a investigação de um homicídio. A vítima é o Major Luís Dantas Castro, fugido da cadeia onde se encontrava por ter participado num golpe de estado. Os suspeitos, três pessoas, todas cúmplices na sua fuga da prisão: Filomena, a amante, o arquitecto Fontenova Sarmento, companheiro de fuga e o cabo Barroca, facilitador da fuga. Elias Santana é o investigador encarregue de desvendar este crime. Elias Santana, também conhecido por Covas, é uma personagem peculiar mesmo sendo uma personagem em todos os sentidos normalíssima, não deixa de ser uma personagem que desperta curiosidade e empatia. Gostei dele, dele e da Filomena. Filomena era amante da vítima, uns bons anos mais nova que o Major, dona de uma grande beleza e de uma personalidade forte. Surge neste relato como a personagem que nos conta o que se passou, de uma forma muito desprendida e desiludida. Filomena, ou Mena, era a obsessão de Dantas e acaba, ao longo da investigação, por ser tornar, de certa forma numa obsessão para Elias, um solitário.
Inicialmente a personagem do Major Dantas surge como uma personagem por quem poderemos ter algum respeito, um revolucionário que morre prematuramente, um dos muitos homens e mulheres que lutaram pela liberdade do país. No decorrer da investigação, a nossa opinião acerca deste homem vai-se alterando e no fim o que sentimos é que, para além de detestável, o major era louco e, acabamos por perceber as razões que levaram à sua morte. Enfim, as melhores acções podem partir até de pessoas menos boas. ;)

A acção passa-se na década de 60, em pleno Estado Novo, estando o livro cheio de referências à repressão e à actuação menos clara das autoridades. Aqui a PIDE é uma força omnipresente, curiosamente ridicularizada na voz de Elias Santana e do seu chefe. No entanto a influência que a polícia política tinha nas investigações da época é notória, particularmente por a vítima e os suspeitos estarem ligados a grupos de resistência anti-salazarista. O livro acaba por dar uma perspectiva da época que não é muito comum, a da polícia dita "normal" e que é interessante.

O livro está escrito de uma forma original, pois inclui excertos dos interrogatórios e do que ficou escrito no processo de investigação e que se integram, de forma natural, na narrativa e na forma como o autor conta a história. Dilui-se assim, a linha que separa a ficção da realidade, tornando a investigação menos realista mas, ao mesmo tempo tornando a historia mais real. Gostei da forma que José Cardoso Pires encontrou de nos contar uma história que, não sei se é baseada ou não numa investigação real.

O lado menos bom da questão foi o ter achado a história um pouco confusa, o que, fruto ou não da minha menor capacidade de concentração, não deixou de me afastar um pouco da história e, manter o interesse foi por vezes complicado.

Concluindo, foi um livro que tive alguma dificuldade em ler mas que não deixei de achar bom e que me deixou com vontade de ler outros deste escritor português que nunca tinha lido. Por isso acho que é uma leitura que vale a pena e que recomendo. :)

Boas leituras!

Excerto:
"Entre o lagarto Lizardo e a malga das sopas o chefe de brigada está todo virado para o estendal de notícias que se abre diante dele com badaladas de primeira página a anunciar o defunto. Retrato do dito: o De Cuju, dito cujo, fardado de oficial. Descrições, conjecturas sobre o podre, um cheiro a cadáver que até arrepia. Depois vem o passado, história antiga, como é uso nas conversas de velório, o morto fez, o morto aconteceu, ai coitadinho; e andante, andante, resmunga o polícia em pijama, segue o funeral."

outubro 19, 2011

Continuar ou não continuar... a resposta

Actualização ao post, "Continuar ou não continuar...", de 11 Outubro:

Já o arrumei na estante... Até podia melhorar, mas tenho a sensação de que não é um livro que vá passar do profundamente normal. É muito desinteressante este livro...

Confesso que, para além das vossas opiniões, contribuiu para a minha decisão o facto de ter lido que a Infanta acaba a por ingressar num convento, sem que a sua vida tenha muito mais para contar.

Arrumado e, quando for esquecida a frustração de não o ter acabado, talvez vá para a lista do Winkingbooks. :)

outubro 16, 2011

Continuar ou não continuar...

Continuar ou não continuar a ler A Musa de Camões de Maria Helena Ventura, eis a questão que me atormenta desde as primeiras páginas.

A primeira parte do livro é estranha, não me identifico com a escrita complicada da escritora. Complicada no sentido de ser demasiado elaborada, cheia de palavras, que para mim são desnecessárias e não acrescentam beleza ao texto, apenas o deixam confuso e maçudo. Não sei se é por ela querer reforçar a ideia de época mas, a mim tem-me mantido pouco interessada. :/

Arrastei-me até à segunda parte na esperança que fosse um daqueles livros que mudam de narrador, em que houvesse uma alteração na forma como a história está ser contada, o que acontece, mas na realidade a minha impaciência tem-se mantido. Acho a história repetitiva, sempre a referir que a coitada da Infanta D. Maria tão culta e inteligente e bonita e boazinha que não se casa e vê a vida ser adiada pelos interesses do estado e boicote da família real, e o poeta Camões que talvez ande a escrever poemas para ela, como se atreve a olhar tão alto, para a irmã do Rei? E com isto estou a meio do livro e estes dois ainda não trocaram uma única palavra!!!

Continuar ou não continuar a leitura? Eis a questão?

Digam-me, isto melhora?

outubro 11, 2011

Olhai os Lírios do Campo - Erico Veríssimo

Título original: Olhai os Lírios do Campo
Ano da edição original: 1938
Autor: Erico VeríssimoEditora: Edição "Livros do Brasil"

"Eugénio Fontes, moço de origem humilde, a custo se forma médico e, graças a um casamento por interesse, ingressa na elite da sociedade. Nesse percurso, porém, é obrigado a virar as costas para a família, deixar de lado antigos ideais humanitários e abandonar a mulher que realmente ama.
Sensível, comovente, Olhai os Lírios do Campo é um convite à reflexão sobre os valores autênticos da vida."

Olhai os Lírios do Campo é, como a sinopse diz, um convite à reflexão sobre os valores que realmente importam cultivar e passar às gerações futuras. É um livro sobre o amor e a influência que uma única pessoa pode ter na nossa vida, condicionando as nossas escolhas e tornando-nos, neste caso, melhores pessoas.

Eugénio cresceu numa família pobre, trabalhadora e humilde. Sempre foi um miúdo que se sentia de certa forma deslocado. Sentia vergonha do pai, que respeitava mas não amava, por este ser submisso e sem qualquer ambição. Nunca percebeu que para poder dar um futuro diferente aos filhos, ao pai de Eugénio não sobrava muito tempo para ambições próprias. A relação com a mãe, embora melhor não deixava de ser distante e, com o irmão Ernesto vivia num permanente conflito que acabou na saída deste de casa para nunca mais ninguém saber dele.

Eugénio cresce a querer ser médico para poder cuidar de gente como o pai, doente e sem condições para receber o melhor tratamento. Pretende melhorar a vida de toda a família. Quando se forma, Eugénio continua a querer melhorar a sua vida, mas já não inclui nos seus planos a família, da qual apenas lhe resta a mãe, nem tem qualquer pretensão de dedicar-se à medicina solidária.
Apaixonado por Olívia, acaba por se casar com Eunice por interesse, julgando vir a encontrar nessa união a felicidade e tudo aquilo que sempre sonhou.

Eugénio não é má pessoa, é covarde, sim, mas má pessoa não. Sofre de um complexo de inferioridade quase patológico e talvez venha daí a sua procura cega por uma vida diferente da dos pais. Uma vida submissa, de cabeça baixa, sentindo que não valiam nada, onde apenas existia espaço para o trabalho, sem direito a qualquer conforto ou bem-estar.

No entanto Eugénio não encontra a felicidade junto da riqueza, do luxo, das festas e das conversas cultas. É quando perde a pessoa que mais amou que ele se apercebe de que anda a desperdiçar a vida e decide mudar radicalmente de rumo. Eugénio encontra no trabalho honesto, na partilha com quem tem pouco, a humanidade que passou a vida toda a tentar afastar e encontra, finalmente, uma forma de ser feliz e, encontra sobretudo paz interior para poder apreciar tudo aquilo que na realidade sempre teve mas nunca soube apreciar. Finalmente pôde ser ele sem sentir pousados em si os olhos recriminatórios de uma sociedade à qual julgou querer pertencer.

Olhai os Lírios do Campo é um livro onde pouco ou nada acontece mas onde o pouco que acontece é muito e bastante para tornar este livro uma leitura obrigatória. :)
Confesso que estava à espera de outro tipo de livro. Do Erico Veríssimo apenas tinha lido o Um Certo Capitão Rodrigo - que faz parte da obra maior do autor, O Tempo e o Vento - já opinado aqui e, julguei que todos os livros dele seriam assim. Enganei-me mas não me senti enganada, antes pelo contrário. Gosto de autores que tenham a capacidade de escrever em vários registos e sempre com qualidade. E este é o caso de Erico Veríssimo, se não soubesse que os dois livros foram escritos pela mesma pessoa não teria forma de associar um ao outro. Viva a esquizofrenia dos escritores! :)

Recomendo como é evidente!

Boas leituras! ;)

Excerto:
"Os seus pensamentos eram um tumulto. Ele e o cachorro - as duas figuras centrais do Mundo naquele momento. O cachorro era mais bonito, mais bem cuidado e mais feliz do que ele. Eugénio Fontes, menos do que um cachorro. Gente pobre. Vida de cachorro. Meu pai e eu: olhos de cachorro. Cachorro escorraçado. (...) Ele fora tratado como um negro. Não era ninguém. Valia menos do que as formigas que caminhavam ali em cima das lajes, carregando folhas e gravetos, menos do que as formigas que o cachorro do inglês agora procurava lamber com a língua húmida e vermelha."

outubro 10, 2011

Novidade: "As Regras da Casa da Sidra" de John Irving

"A odisseia de Homer Wells começa no meio dos pomares de macieiras do Maine rural. Sendo a mais velha das crianças do orfanato de St Cloud’s que não chegaram a ser adotadas, Homer estabelece uma amizade profunda e invulgar com Wilbur Larch, o fundador do orfanato - um homem de rara compaixão viciado em éter. O que Homer aprende com Wilbur leva-o desde a sua primeira aprendizagem de cirurgia no orfanato até uma vida adulta à frente de uma fábrica de sidra e a uma estranha relação com a mulher do seu melhor amigo."

Depois de ter editado A Última Noite em Twisted River (já na minha estante) a Civilização edita o magnífico As Regras da Casa da Sidra (The Cider House Rules).
Espero que a Civilização, ou outra editora, continue a apostar neste escritor fantástico, mesmo que o preço final dos livros não seja muito convidativo.

Como já li este, em inglês (a minha opinião aqui) posso-vos dizer que vale o dinheiro. No entanto, se não têm dificuldades em ler em inglês podem sempre poupar uns euritos (valentes) e comprar uma edição original.

Nota: Não me entendo no site da Civilização... Não acho normal não encontrar qualquer referência a este livro lá. Se calhar sou eu que sou naba! :/

setembro 29, 2011

Contagem Decrescente - Ken Follett

Título original: Code to Zero
Ano da edição original: 2000
Autor: Ken Follett
Tradução do Russo: Eugénia Antunes
Editora: Casa das Letras

"1958: A Guerra Fria está no auge, os Soviéticos ultrapassam os Americanos nos primeiros passos da corrida para a conquista do espaço. Claude Lucas acorda, uma manhã, na Union State de Washington. Vestido com roupas de vagabundo, está afectado por uma amnésia que o impede de se recordar, entre outras coisas, do seu estatuto profissional. Acontece que ele é uma personagem central do próximo lançamento do Explorer I, um foguetão do exército dos EUA. Anthony Carroll, agente da CIA e velho amigo de Lucas, anda a seguir o caso. E convém-lhe que a amnésia não passe tão depressa…"

Bem, por muito que gostasse de dizer o contrário, a verdade é que, infelizmente não há muito a dizer acerca deste livro... A desilusão só não é enorme, porque a minha incapacidade de vibrar com policiais desculpa, em parte, a fraca qualidade do livro e, por isso a minha vontade de ler Os Pilares da Terra não foi muito afectada. Pode ser que Ken Follett seja bem melhor nos romances marcadamente históricos.

Ora bem... Este é um livro cuja acção decorre em 1958, em plena Guerra Fria, nas horas que antecedem o lançamento satélite Explorer I, o primeiro lançamento bem sucedido dos EUA, na sua guerra pelo espaço, contra a Rússia comunista.
Claude Lucas é um cientista que trabalhou de perto para que este fosse um dia histórico para os EUA e que, uns dias antes do lançamento do satélite, acorda numa casa-de-banho de Union Station, com uma amnésia profunda. Não sabe quem é, como foi ali parar e, embora o espelho lhe devolva a imagem de um sem-abrigo Luke tem a certeza de que não pertence aquele lugar e àquela roupa.

Começa desta forma uma história que até prometia ser interessante. Estas páginas iniciais, onde aquele homem está confuso e frustrado por não saber nada acerca dele próprio foram as únicas que, de alguma forma, me prenderam a atenção. O resto do livro foi apenas um desenrolar de acontecimentos previsíveis, mal interligados, com personagens mal exploradas, superficiais, bidimensionais e que, por isso, não conseguiram despertar em mim qualquer empatia...
A componente romântica da história está tão mal explorada que nem vontade de rir dá. As cenas/conversas que envolvem sexo são constrangedoras, despropositadas e não trazem qualquer mais-valia à história ou sequer permitem uma maior aproximação às personagens. Ainda não percebi porque é que há escritores que insistem em romancear quando não sabem como o fazer (sim, estou a lembra-me do José Rodrigues dos Santos e do seu inenarrável Tomás Noronha...).

Não me apetece sequer perder muito mais tempo a elaborar esta opinião. Não vale a pena.

No que toca a policiais, nunca irei dizer não leiam. O que posso dizer é que, para mim, foi claro desde muito cedo que este livro iria entrar na minha lista do Winkingbooks. Não me vai fazer confusão nenhuma vê-lo abandonar as minhas estantes em direcção às de alguém que talvez o saiba apreciar melhor.

Boas leituras! :)

Depois de ter resistido a colocar aqui um excerto de umas das cenas relacionadas com sexo aqui fica o primeiro parágrafo do livro. :)

Excerto:
"Acordou sobressaltado.
Pior que isso: estava aterrorizado. O coração batia-lhe apressadamente, arquejava e sentia o corpo retesado. Era como acordar de um pesadelo, embora sem a sensação de alívio que normalmente se lhe segue. Teve a intuição de que alguma coisa terrível lhe acontecera, mas não sabia o quê."

setembro 28, 2011

BOOK

BOOK a descoberta do século. :)

setembro 13, 2011

O Duelo - Anton Tchékhov

Título original: Duel
Ano da edição original: 1891
Autor: Anton Tchékhov
Tradução do Russo: Nina Guerra e Filipe Guerra
Editora: Relógio D'Água

"O Duelo, de Anton Tchékhov, é uma novela narrada a partir do ponto de vista de diversas personagens reunidas no mesmo objectivo: esquecer os dias que perderam e aproveitar da melhor forma os que ainda têm para viver. Tchékhov coloca em confronto, numa pequena cidade do Cáucaso, um funcionário e a sua jovem mulher, um médico militar, um zoólogo de ideias radicais e um diácono dado ao riso. A história é contada através dos olhos de cada protagonista, conseguindo o leitor entender que qualquer um deles, independentemente da sua relação com os outros, procura apenas uma forma de escapar ao rotineiro dia-a-dia. É nesse ambiente que o ódio crescente entre o zoólogo e o funcionário culmina num duelo e este numa espécie de redenção. E quando o zoólogo deixa a cidade, as oscilações do seu barco são transformadas por Tchékhov numa metáfora da vida."

Gosto de Tchékhov. Gosto das histórias que ele conta e da forma como as conta. Gosto das personagens que cria e da forma como interagem umas com as outras. Gosto sobretudo da simplicidade com que ele expõe os dilemas das personagens. Portanto, volto a repetir: gosto de Tchékhov! :)

A história contada no O Duelo, passa-se numa pequena localidade do Cáucaso, onde os habitantes vivem a sua vida, sem grandes percalços e com a certeza de que o dia de amanhã será em tudo semelhante ao de hoje.
A esta pequena localidade chegou, há uns anos, um jovem casal, vindo de S. Petersburgo: Laévski e Nadejda Fiódorovna. Ele é funcionário público e ela é casada com outro homem. ;)
Laévski é um típico homem da sociedade que, embora tenha um cargo público, não se pode dizer que alguma vez tenha feito alguma coisa na vida. É o tipo de pessoa que desperta simpatias com facilidade, o que lhe permite viver mais ou menos às custas dos outros, endividando-se. É o tipo de pessoa que parece culta, que gosta de citar escritores e de encontrar pontos em comum entre a sua vida e a das personagens desses mesmo escritores. Vive um pouco deslumbrado consigo mesmo. É um bon vivant que, apaixonado pela jovem mulher de outro homem, não teve qualquer problema em cortejá-la e fugir com ela para os fins do mundo.
A esta mesma localidade regressa todos os anos Von Koren, um zoólogo. Von Koren passa todos os anos uma longa temporada, supostamente a estudar a escassa biodiversidade da região. Regressa todos os anos com as suas ideias radicais acerca de tudo e de todos. É daquelas pessoas que apenas tem certezas e nunca se engana, cujas opiniões acerca de qualquer assunto estão mais que cimentadas sem qualquer margem para discussão. É, no entanto, uma personagem acarinhada por todos na pequena cidade. E parece gostar de todos, excepto de Laévski, que para ele personifica tudo aquilo que ele abomina. Odeia a sua forma de viver e odeia a forma como é tratado por todos.

Como é natural em alguém com a personalidade de Laévski, este acaba por ser aborrecer da vida pacata que é forçado a levar no remoto Cáucaso. Começa a olhar para Nadejda com enfado e o amor começa a desvanecer. Laévski torna-se então o tema de conversa de todos os que com ele privam, ao mesmo tempo que Laévski vive angustiado por não saber como, e se vai conseguir sair da situação em que meteu.
Só von Koren não se compadece com os problemas de Laévski, no entanto, é ele quem, no final, acaba por lhe dar a solução, transformando-o num homem honesto e, deixando von Koren sem saber mais em que acreditar. Todas as suas convicções acabam fortemente abaladas.

Num livro em que, à primeira vista, nada acontece, é na escrita simples e nas personagens bem estruturadas que se encontram razões para querer continuar a leitura. No fim, como é óbvio, o livro é muito mais do que uma história moralista sobre os benefícios da honestidade na forma como vivemos a nossa vida. O tom empregue é divertido e descontraído mas, do que mais gostei foi mesmo das personagens. De todas sem grandes distinções.

Gostei bastante e, por isso, só posso recomendá-lo.

Boas leituras!

Excerto:
" - Deixemos de falar nisto - disse o zoólogo. - Lembra-te apenas de uma coisa, Aleksandr Davíditch: a humanidade primitiva estava protegida dos indivíduos como o Laévski com a luta pela sobrevivência e a selecção natural; hoje, a cultura levou a um enfraquecimento considerável da luta pela sobrevivência e da selecção natural, e somos nós mesmos quem tem de tratar da liquidação dos débeis e dos imprestáveis, de outro modo, se os Laévski se multiplicarem, a civilização vai perecer e a humanidade ficará absolutamente degenerada. E a culpa será nossa"

Saiu, em 2010, um filme baseado neste livro: Anton Chekhov's The Duel. Fica aqui o trailer:



setembro 09, 2011

O Último Cabalista de Lisboa - Richard Zimler

Título original: The Last Kabbalist of Lisbon
Ano da edição original: 1996
Autor: Richard Zimler
Tradução: José Lima
Editora: "Colecção BIIS" da Leya

"Em Abril de 1506, durante as celebrações da Páscoa, cerca de dois mil cristãos-novos foram mortos num progrom em Lisboa e os seus corpos queimados no Rossio, O Último Cabalista de Lisboa, best-sellers em onze países, incluindo os Estados Unidos da América, Inglaterra, Itália, Brasil e Portugal, é um extraordinário romance histórico tendo como pano de fundo os eventos verídicos desse mês de Abril de 1506."

É inegável que os livros de Richard Zimler são historicamente perfeitos. A forma como ele retrata épocas passadas, os costumes e as pessoas que nela viveram é fascinante. E é fascinante porque ele consegue, através de histórias, regra geral não muito complicadas, enquadrar-nos na época e nas vivências das pessoas comuns, não precisando de recorrer a reis, rainhas e glamours que tais. Pessoas normalíssimas apanhadas em acontecimentos que as ultrapassam completamente e lhes muda a vida para sempre.

O Último Cabalista de Lisboa retrata a Lisboa de 1506, no calendário cristão, e a crescente pressão que os judeus da cidade viviam, com o cerco da Inquisição a apertar cada vez mais devido à pressão vinda do Reino de Castela. Forçados a converter-se ao cristianismo e a renegarem as suas origens, os cristãos-novos de Lisboa são surpreendidos, durante a discreta e secreta celebração da Páscoa, pelos tumultos que levaram à morte de milhares de pessoas suspeitas de serem judias, acusadas de serem responsáveis pela seca, fome e peste que alastrava na capital. Em Abril de 1506, os frades dominicanos incentivaram e participaram na perseguição, tortura e morte de milhares de judeus, queimando-os na praça do Rossio, com o apoio da população e a complacência da corte, exilada em Abrantes, fugida da peste. Um país preso às vontades de Roma, um povo criado segundo a moral do Papa e sem um resquício da tão aclamada piedade cristã, levou a cabo um dos mais vergonhosos acontecimentos da história portuguesa, o Pogrom de Lisboa.

Berequias é o sobrinho do último cabalista de Lisboa, Abraão Zarco, um homem iluminado e sábio, assassinado durante os tumultos, na sua própria casa. Depois da morte do tio a única coisa que move Berequias é descobrir quem matou o seu mestre e vingá-lo. Fica cego de ódio e, obcecado pela procura, coloca a sua vida, e a das pessoas que o rodeiam em perigo, pois os tempos que correm obrigam a que muita gente viva por detrás de uma máscara, e nem todos são aquilo que aparentam.

Um livro historicamente muito bom e que vale sobretudo pela descrição histórica dos acontecimentos, porque pessoalmente achei a história de Berequias e da sua busca incessante por justiça, um pouco cansativa. Não simpatizei com ele, achei-o irritante, infantil e irresponsável, o que me impediu de gostar mais do livro. Não me identificando com a personagem principal, não me interessando especialmente pela luta dele, só me restou o gosto de ler sobre Lisboa, embora os acontecimentos retratados em nada favoreçam a cidade e os lisboetas. Valeu também por ter ficado a conhecer umas quantas coisas que ignorava. :)

Embora tenha gostado bastante mais do outro livro do autor que li, Os Anagramas de Varsóvia (já aqui comentado), não posso deixar de recomendar este O Último Cabalista de Lisboa porque o tema é muito interessante. E, porque embora tenha embirrado um pouco com o Berequias, gostei bastante do seu amigo de infância Farid e, Richard Zimler é um autor que mesmo quando está menos inspirado vale a pena ler. :) Além disso, acho que o meu menor entusiasmo com o livro se deveu também ao facto de ultimamente os livros que leio terem, quase todos, como tema subjacente a religião. Confesso-me um pouco cansada do assunto...

Concluindo: Leiam! Tenho a certeza de que não darão o tempo como perdido. :)

Boas leituras!


Excerto:
"Uma pira. Chamas crepitantes. Gavinhas de fogo laranja e verdes desenrolando-se em direcção ao telhado da igreja. No campanário, um frade dominicano com uma grande papada empunhava uma espada com uma cabeça decepada na ponta e enxortava a populaça com uma voz irosa:
- Morte aos heréticos! Matai esses judeus do demónio! Que a justiça do Senhor caia sobre eles! Fazei-os pagar pelos crimes contra as crianças cristãs! Fazei-os...
O fogo causava um calor infernal, alimentado pela massa dos corpos dos judeus que lhe tinham sido lançados."

agosto 25, 2011

[ebook] Uglies - Scott Westerfeld

Título original: Uglies
Ano da edição original: 2005
Autor: Scott Westerfeld
Editora: Simon & Schuster Lda

"Tally is about to turn sixteen and she can't wait. Not for her license — for turning pretty. In Tally’s world, your sixteenth birthday brings an operation that turns you from a repellent ugly into a stunningly attractive pretty and catapults you into a high-tech paradise where your only job is to have a really great time. In just a few weeks Tally will be there. But Tally's new friend Shay isn’t sure she wants to be pretty. She’d rather risk life on the outside. When Shay runs away, Tally learns about a whole new side of the pretty world — and it isn’t very pretty. The authorities offer Tally the worst choice she can imagine: find her friend and turn her in, or never turn pretty at all. The choice Tally makes changes her world forever."

Este foi um livro que me despertou, desde o início, alguma curiosidade, pelo tema. Sabendo de antemão que era um livro direccionado para leitores mais juvenis, parti para esta leitura sem muitas expectativas. Queria que fosse uma leitura que entretivesse e que fosse uma alternativa ao livro que trago na mala. Este foi também o primeiro ebook lido na íntegra no meu telemóvel e fez-me muita companhia nas paragens de autocarro, no metro e até antes de dormir. Só por isso, já posso dizer que a experiência foi positiva. :)

Quanto ao livro e à história, acho que cumpriu as expectativas iniciais. É uma história claramente juvenil, escrita sem grandes floreados. É, portanto um bom livro para se ler em formato digital e em inglês. :)

Tally, a protagonista desta história, anseia pelo dia em que irá fazer 16 anos e deixar de ser Ugly (aquilo a que a edição em português chama de Imperfeitos). No mundo de Tally, os 16 anos são para todos os adolescentes, sinónimo de crescimento e de mudança. Nesse dia todos os adolescentes são submetidos uma operação plástica que lhes transforma completamente os traços físicos, não apenas do rosto, tornando-os a todos Pretties. Os olhos grandes e irresistíveis, a boca carnuda e rasgada, um rosto de proporções perfeitas e o corpo é moldado até ser encontrado equilíbrio perfeito, onde até o esqueleto pode ser "esticado". :) A partir desse dia deixam de ser Uglies e passam a ser New Pretties, passando a viver em New Pretties City onde, aparentemente, a única exigência que é feita é que se divirtam e não pensem muito na vida e no que os rodeia.

No mundo de Tally, os Rusties (antepassados longínquos, nós portanto) quase destruíram o planeta, esgotando os recursos naturais, travando guerras sem sentido. Tally vive num mundo controlado até ao mais ínfimo pormenor. É um mundo onde todos acreditam que tornar toda a gente bonita e perfeita é a solução para acabar com as invejas, os ciúmes e mantendo toda a população satisfeita elimina-se na humanidade a necessidade de lutar, de argumentar, de se queixar e de pensar. Tally não é a excepção e nunca pensou de outra forma até ao dia em que conhece Shay, também ela à espera da operação que as vai tornar pessoas melhores. :/
Shay não quer ser operada, acha estranho que todos os Pretties se pareçam, que passem o dia em festas, que sejam fúteis. Não deseja isso para ela e tenta convencer Tally a fugir com ela, para o Smoke, uma comunidade de Uglies foragidos que, como ela, não se sentem confortáveis com o que lhes é imposto. Tally não a leva a sério mas, no dia em que supostamente deveria ser operada, Shay desaparece deixando a Tally indicações para que esta a possa encontrar caso mude de ideias até ao dia da sua operação.
Tally fica dividida mas acaba por se decidir pela operação, não concebe a ideia de ficar Ugly para sempre. Mas no mundo nem sempre as coisas correm como planeadas e Tally acaba por se ver obrigada a procurar Shay. Esta é a condição que lhe é imposta por um grupo de Pretties cruéis, uma espécie de polícia secreta lá do sítio. Para poder ser Pretty, Tally deve procurar e trazer de volta Shay. Para que possa um dia vir a ser Pretty é exigido a Tally que traia a promessa que fez a Shay, de que nunca iria revelar onde era o Smoke. Esta é uma viagem que mudará a vida de Tally para sempre.

E, basicamente a história é esta. A ideia é interessante e está relativamente bem desenvolvida, as explicações que suportam a realidade descrita são credíveis e por isso a leitura é agradável. As personagens, quase todas adolescentes, são isso mesmo, adolescentes, com comportamentos e conversas de adolescentes. :) Sendo o tema interessante fiquei com uma certa pena de que o livro acabasse por ser superficial, ele próprio um pouco fútil, como todos os Pretties que por ele vagueavam. É também um pouco repetitivo na mensagem que pretende passar.
Uglies não é uma obra-prima mas é um livro que cumpre, e isso é positivo. :) A verdade é que é um livro em que, ao chegar ao fim, encolhi os ombros e pensei: it's ok... Normal portanto, sem nada que se destaque.
Não sei quando, ou se irei ler os outros livros da série - Pretties, Specials e Extras - é provável que o faça um dia destes, até porque, como disse, é um bom livro para ler no telemóvel, não exigindo muita concentração. :)

Excerto:
" - You can’t change it just by wishing, or by telling yourself that you’re pretty. That’s why they invented the operation.
- But it’s a trick, Tally. You’ve only seen pretty faces your whole life. Your parents, your teachers, everyone over sixteen. But you weren’t born expecting that kind of beauty in everyone, all the time. You just got programmed into thinking anything else is ugly.
- It’s not programming, it’s just a natural reaction. And more important than that, it’s fair. In the old days it was all random—some people kind of pretty, most people ugly all their lives. Now everyone’s ugly…until they’re pretty. No losers."