junho 04, 2011

A Solidão nos Números Primos - Paolo Giordano

Título original: La Solitudine dei Numeri Primi
Ano da edição original: 2008
Autor: Paolo Giordano
Tradução: José J. C. Serra
Editora: Bertrand Editora (Colecção 11x7)

"Um número primo é inerentemente solitário: só pode ser dividido por si próprio ou por um, nunca se adaptando aos outros. Alice e Mattia também, vivendo em torno do seu próprio eixo, sozinhos com as suas respectivas tragédias. Alice, uma criança bastante introvertida, é obrigada pelo pai a frequentar um curso de esqui para ser forte e competitiva. No entanto, um acidente terrível deixará marcas no seu corpo para sempre. Mattia é um menino de inteligência brilhante cuja irmã gémea é deficiente. Quando são convidados para uma festa de anos, ele deixa-a sozinha num banco de jardim e nunca mais torna a vê-la. Estes dois episódios irreversíveis marcarão a vida de ambos para sempre. Anos depois, quando estes "números primos" se encontram, são como gémeos, que partilham uma dor muda que mais ninguém pode compreender. E tal como os números primos, ambos estão destinados a viver vidas paralelas sem nunca se encontrarem."

Alice é obrigada pelo pai a esquiar, coisa que ela odeia, e que a faz odiar o pai também. Um dia, enquanto esquia, Alice sofre um acidente grave que a deixa marcada para o resto da vida. A menina tímida que apenas desejava que a deixassem sossegada encontra, depois do acidente, mais uma razão para se isolar do mundo e de todos os que a rodeiam.
Mattia é um rapaz com uma inteligência acima da média, cuja irmã gémea não consegue acompanhar por ter problemas mentais. Mattia, nos poucos anos de vida que tem, vive angustiado e envergonhado pela irmã que o atrasa e que chama a atenção de todos para os dois. Um dia, são os dois convidados para uma festa de aniversário e Mattia contrariado por ter de levar a irmã com ele, deixa-a sozinha num parque perto de casa, prometendo-lhe que voltará para a buscar. Michela desaparece e nunca mais ninguém a vê.

As vidas de Mattia e Alice cruzam-se anos mais tarde, quando Mattia é transferido para a escola onde Alice estuda. São ambos miúdos solitários e completamente desajustados numa sociedade que lhes exige coisas que eles não conseguem, nem querem dar. Alice é uma miúda que anseia por aquilo que todas as adolescentes anseiam: ser aceite, sentir o interesse dos rapazes e ter amigos que minimizem o sofrimento que é crescer. Alice sofre de anorexia e vive em permanente conflito com o seu corpo, marcado pelo acidente de esqui. O pai, que ela culpa pelo acidente, é um homem por quem tem sentimentos ambíguos e a mãe é uma presença quase transparente, sem qualquer influência no crescimento da filha.
Mattia, desde o desaparecimento da irmã, vive com a culpa de a ter deixado sozinha e a partir desse dia tenta fazer tudo de forma a que a sua presença altere o menos possível tudo o que o rodeia. Quando anda tenta não fazer qualquer ruído e, no dia-a-dia, luta para ser o mais imune possível à emoção e ao sentimento. A única coisa que aparentemente lhe interessa é a matemática, especialmente o que diz respeito aos números primos, "números desconfiados e solitários" que Mattia "acha maravilhosos".
O sofrimento destes dois miúdos acaba por aproximá-los e mantêm, ao longo dos anos, uma espécie de amizade, onde Alice é o catalisador e a força que os mantém unidos. Apaixonados um pelo outro, não sabem como fazer coabitar esse sentimento e os fantasmas que os atormentam desde crianças.
Alice e Mattia são números primos, números apenas divisíveis por um e pelo próprio número. Mais do que números primos, Alice e Mattia são números primos gémeos, "sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente", porque os números primos gémeos são pares de números primos próximos um do outro, separados sempre por um número par.

Este é um livro difícil de ler porque é angustiante e muitas vezes comovente. O sofrimento de todas as personagens é quase palpável e o ambiente é no mínimo pesado.
É fácil para quase todos nós identificarmo-nos com a ansiedade, com o preconceito e com o sofrimento que, muitas vezes, encontramos durante a a adolescência. Crescer é um processo complicado, principalmente quando somos diferentes, quer fisicamente, quer em termos de personalidade.
Gostei muito deste livro, é surpreendente e está muitíssimo bem escrito, com um toque que é quase autobiográfico. As analogias matemáticas estão tão bem conseguidas, que quase não nos apercebemos do difícil que seria para o comum dos mortais escrever um romance tão cheio de sentimentos, que encontram, de alguma forma, correspondência no mundo da ciência exacta que é a matemática. Muito interessante esta visão alternativa que Paolo Giordano dá do mundo que nos rodeia.

Um livro de leitura obrigatória!


Excertos:
"Os anos do liceu foram uma ferida aberta, que para Mattia e Alice parecera tão profunda que jamais acharam que pudesse cicatrizar. Passaram por eles como que em apneia, ele rejeitando o mundo e ela sentido-se rejeitada pelo mundo, e aperceberam-se de que, no fundo, a diferença não era muita. Construíram uma amizade defeituosa e assimétrica, feita de longas ausência e de muito silêncio, um espaço vazio e limpo em que ambos podiam voltar a respirar, quando as paredes da escola se tornavam demasiado apertadas para ignorar a sensação de sufoco."

"Finalmente, a gigantesca esfera vermelha separou-se do mar, como uma bola incandescente. Por um instante, Mattia pensou nos movimentos rotatórios dos astros e dos planetas, no Sol que à noite se punha atrás de si e de manhã nascia à sua frente. Todos os dias, dentro e fora da água, estivesse ele ali a observá-lo ou não. Não era mais do que mecânica, conservação da energia e do momento angular, forças que se equilibravam, impulsos centrípetos e centrífugos, nada mais que uma trajectória, que não podia ser diferente de como era."

4 comentários:

  1. Olá,
    Também adorei este livro. É muito, muito bom.
    boas leituras

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  2. Patrícia: É realmente um livro bonito, estranhamente bonito, e ao mesmo tempo muito triste.
    Para primeiro livro o autor começou com o pé direito. :)

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  3. Amei muiiito esse livro mesmo encontrei ele na escola e e consegui ler tudooo

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