março 30, 2012

82ª Feira do Livro de Lisboa 2012

http://feiradolivrodelisboa.pt/

O Parque Eduardo VII começou esta semana a ser preparado para mais uma Feira do Livro de Lisboa. 

Agora que estou tão perto e posso acompanhar desde o início o evento para o qual ainda faltam tantos dias, sofro com ansiedade... Pela minha saúde, gostaria que as barraquinhas estivessem por lá todo o ano! Pela minha carteira... bem, pela minha carteira é melhor que seja apenas uma vez por ano. ;)

Boas leituras!

março 22, 2012

Uma Cana de Pesca para o Meu Avô - Gao Xingjian

Título original: Gei Wo Laoye Mai Yugan
Ano da edição original: 1990
Autor: Gao Xingjian
Tradução do francês: Carlos Aboim de Brito
Editora: Publicações Dom Quixote

"Com imenso talento, subtileza e inteligência, Gao Xingjian percorre, nestes seis inesquecíveis contos, os lugares da infância, as alegrias simples do amor e da amizade, os dramas da rua e as tragédias vividas pela China. Sorrisos e lágrimas atravessam esta leitura, que nos deixa o belo e suave sabor da emoção. A revelação de um dos maiores escritores chineses da actualidade."

Eis que, no espaço de um mês leio dois prémios Nobel da literatura, Ivo Andrić e agora o Gao Xingjian, escritores dos quais ainda não tinha lido nada. :)

Uma Cana de Pesca para o Meu Avô, é uma colectânea de contos a transbordar de simplicidade, cultura oriental e poesia.
Ao longo dos cinco contos que compõem este pequeno livro, o escritor dá-nos a conhecer o amor, a amizade, a morte, a saudade e a vida.

No primeiro conto, O Templo, intromete-mo-nos na lua-de-mel de um casal jovem que transmite uma tal serenidade na forma de se amarem e de estarem juntos, não só como casal, mas também como amigos e companheiros que são, que só podemos sorrir durante a sua leitura.

No segundo conto, O Acidente, passamos da vida e do amor para a morte e um outro tipo de amor. Neste conto, um homem é atropelado por um autocarro e morre. No local do acidente junta-se uma multidão perplexa e cheia de opiniões, como só este tipo de desgraças consegue juntar. O fascínio que todos acabamos por sentir, de uma forma ou de outra, por situações como esta é estranhíssimo, inexplicável e, neste caso inconsequente, porque passadas apenas algumas horas após o acidente, já todos seguiram com as suas vidas e no local do acidente já nada nem ninguém recorda a vida que ali se perdeu.

O terceiro conto, A Cãibra, traz o tema do mar, que se repete nos contos que se seguem. Um rapaz nada no mar e sente uma cãibra, aflito para regressar a terra firme deseja que a rapariga que estava a tentar impressionar o tivesse visto entrar no mar e se aperceba da sua situação.

No quarto conto, Num Parque, conhecemos um rapaz e uma rapariga que se reencontram ao fim de alguns anos. No passado gostaram um do outro mas nunca deram o passo que levaria a relação mais além. A vida separa-os e, agora que se voltaram a encontrar, aquilo que sentiam um pelo outro, embora intacto já não faz muito sentido. Ao longe, no mesmo parque, observam uma rapariga que chora. Não a tentam consolar porque de nada servirá, a dor é algo que faz parte da vida e da qual não se consegue fugir.

O conto que dá nome ao livro, Uma Cana de Pesca para o Meu Avô, é o mais extenso e aquele em que a escrita de Gao Xingjian se torna mais apelativa e imaginativa. Um conto com um cheirinho oriental e muito bom de se ler, cujo título resume bem aquilo de que trata. Um homem jovem compra uma cana de pesca para o avô que não vê há muitos anos e de quem sente muita falta. O conto narra a infância deste homem junto do avô que lhe ensinou tanto. Uma história de saudade, de esquecimento e lembrança.

O último conto, intitulado Instantâneos, não é bem um conto, mas sim, como o próprio nome indica, instantâneos. A narração de alguns instantes nas vidas de várias personagens sendo possível perceber um fio condutor que os liga uns aos outros. O mar volta a ser uma referência importante. Gostei bastante destes Instantâneos. :)

Gostei desta colecção de pequenas histórias e da escrita de Gao Xingjian, poética e colorida.

Recomendo!

Boas leituras!!! :)

Excerto:
"A bola de sabão aumenta à medida que lhe sopram. À superfície, a água com sabão move-se cada vez mais depressa e, quanto mais a luz do sol se reflecte nela, mais brilhante e multicolor fica. Chegada ao ponto limite, desaparece sem ruído, revelando a cara espantada do rapazinho que a soprava."

março 18, 2012

A Ponte Sobre o Drina - Ivo Andrić

Título original: Na Drini Cuprija
Ano da edição original: 1945
Autor: Ivo Andric
Tradução do servo-croata: Lúcia e Dejan Stankovic
Editora: Cavalo de Ferro
 
"No início o leitor encontra-se em pleno século XVI, em Višegrad, cidade na fronteira entre a Sérvia e a Bósnia. Mehmed-Paxá, Grão-Vizir, sonha ainda com o dia em que, criança, foi separado da sua família cristã, obrigado a atravessar para a outra margem do rio. É essa criança que agora, décadas depois, convertido à fé do Islão, dá a ordem de construção de uma ponte sobre o rio Drina.
Esta é a história épica dessa ponte, e também dos que a cruzam. A sua edificação exigiu anos de trabalho árduo, lágrimas e sangue, sacrifícios e vítimas. Ao longo dos séculos a ponte foi local de passagem, de encontros, de conversas, de conspirações; sofreu inundações, foi encerrada para impedir o alastrar da peste, assistiu a suicídios; sobre ela transitaram exércitos em fuga e desfilaram outros vitoriosos; nela foram executados espiões; acompanhou o desmoronar de impérios e o nascer de novas nações...
Romance histórico, grande épico europeu, «A ponte sobre o Drina» pertence à categoria das obras incontornáveis da literatura mundial."

Este foi um livro que me custou muito a ler... Demorei uma eternidade a acabá-lo porque não tenho tido oportunidade de ler sem ser antes de ir dormir e... invariavelmente acabava por adormecer ao fim de uma ou duas páginas. :) Que fique bem claro que o problema não é do livro, que é sobejamente interessante e envolvente, o problema é mesmo meu. O João Pestana parece ter-se mudado aqui para casa! :p

A Ponte Sobre o Drina é, como o nome indica, uma espécie de crónica acerca de uma ponte sobre o Drina, mandada construir pelo Grão-Vizir, Mehmed-Paxá e que permitiu unir as duas margens da cidade de Višegrad, uma pequena cidade na Bosnia-Herzegovina e vizinha da Sérvia. Em 1571, quando o Grão-Vizir manda construir a ponte sobre o Drina, toda aquela zona fazia parte do Império Otomano e, por isso coabitavam no mesmo território, bósnios, turcos, sérvios e alguns judeus. A coabitação, embora tensa, era cordial e Višegrad sempre foi considerada uma cidade pacífica cujos habitantes eram conhecidos pela diversão e descontração.

A história que Ivo Andrić conta é a história da ponte mas, na realidade a história que se conta é a da Bósnia Herzegovina e da zona dos Balcãs, zona conflituosa, desejada e continuamente conquistada pelos diferentes líderes do mundo. Fizeram parte do Império Otomano, foram ocupados pelo Império Austro-Húngaro e, quando o herdeiro ao trono Austro-Húngaro, Franz Ferdinand é assassinado por um membro do movimento nacionalista Young Bosnia, que lutava pela unificação dos países eslavos, inicia-se uma guerra que acaba por levar à I Guerra Mundial. 
Conhecemos uma parte da história do mundo, até 1914, ano em que a crónica termina, com a destruição de um dos pilares centrais da ponte sobre o Drina, através dos olhos dos habitantes de Višegrad, dos naturais da cidade e daqueles que a adoptaram como sendo a sua casa. É através das histórias de vidas destas pessoas, histórias simples quase do quotidiano, que Ivo Andrić nos vai dando a conhecer um povo, uma cultura e o que este contribuiu para a história da humanidade. Entrelaçadas em histórias de amor, de desencanto ou de luta por uma vida melhor, encontramos o nascimento da política como a conhecemos hoje em dia e, é-nos permitido observar de perto como é que uma força estrangeira consegue, com organização e implementação de leis rígidas, que resultam em progresso e em enriquecimento aparente, ocupar um país durante décadas e de forma relativamente pacífica. Vemos de perto a alteração de formas de viver, quando em Višegrad os habitantes começam a ganhar gosto pelo consumismo não se sentindo inibidos naquilo que desejam possuir e fazer. Višegrad é-nos apresentada quase como um tubo de ensaio da sociedade em que vivemos hoje.

A ponte sobre o Drina "assiste" a todas estas mudanças e movimentações, serve de forma isenta cada um dos protagonistas e resiste a todas as provações - "A sua vida, ainda que em si finita, assemelha-se à eternidade, pois o seu termo não é previsível", sobrevive aos Homens e às suas acções - "Assim, as gerações sucederam-se ao redor da ponte e a ponte sacudia de si, como quem sacode o pó, todos os traços que nela deixavam os caprichos humanos ou os acontecimentos efémeros e permanecia, depois de tudo passar, inalterada e inalterável." e resiste ao passar dos séculos, continuando a existir e a ser a ponte sobre o rio Drina, ponto de referência para os seus habitantes e para os que se deslocam a Višegrad, de propósito para a verem.

Gostei bastante do livro, tive alguma dificuldade com os nomes e a geografia da região, no entanto, isso não afectou a minha capacidade de apreciar o livro. Achei a escrita de Ivo Andrić interessante e dinâmica, pois enquanto que nalgumas páginas o tom era mais documental, mais próxima da crónica que pretende ser, noutras o tom é puramente ficcional, a escrita é bonita, poética e extremamente eficaz visualmente.

Recomendo como não poderia deixar de ser. É realmente um documento que permite conhecer um pouco mais da história mundial, em particular de uma região culturalmente tão rica.

Boas leituras!

Excerto:
"Como tantas vezes acontece na história humana, a violência, a pilhagem, e mesmo o assassínio, eram tacitamente permitidos desde que fossem cometidos em nome de interesses superiores, em conformidade com regra estabelecidas e contra um número limitado de pessoas de uma determinada espécie ou credo.
Um homem de espírito puro e de olhos abertos que então vivesse poderia testemunhar como é que se dá esse milagre e como uma sociedade inteira se podia transformar num único dia. Em poucos minutos a tradição secular da cidade foi devastada. É certo que sempre tinham havido secretos ódios e despeitos, intolerância religiosa, infâmia e crueldade, mas também sempre houvera amizade e magnanimidade, e um sentimento de decência e de ordem, que mantinham todos os instintos vis dentro dos limites do suportável, e que, ao fim e ao cabo, os acalmavam e os submetiam ao interesse geral da vida em comum"