julho 17, 2013

O Desfile da Primavera - Richard Yates

Título original: The Easter Parade
Ano da edição original: 1976
Autor: Richard Yates
Tradução: Nuno Guerreiro Josué
Editora: Quetzal

"Considerado o grande romance de Richard Yates, a par de Revolutionary Road, O Desfile da Primavera conta a história de duas irmãs, Sarah e Emily Grimes. Conhecêmo-las ainda crianças, com os pais recém-divorciados. E ao longo de quarenta anos, acompanhamos os caminhos que as tornam mulheres muito diferentes, embora tentando ambas lidar com um mesmo passado difícil. Sarah, a estável, a determinada, vai para Long Island, vive um casamento infeliz, e acaba por sucumbir ao seu desespero silencioso; Emily, a precoce, a independente, fica em Nova Iorque, percorre vários empregos sem interesse, dorme com vários homens, perde a carreira e perde-se no álcool. Neste sombrio e magistral romance, e com a mestria que caracteriza toda a sua obra, Richard Yates reforça a ideia de que não existe aquilo a que se chama uma vida normal."

Não é novidade que gosto de Richard Yates, mesmo com todas as desgraças de que são vítimas praticamente todas as suas personagens. O melhor é que, mesmo sabendo de antemão que com Richard Yates não há contemplações, quando está mau, das duas uma, ou o livro acaba ou então vai piorar, mesmo sabendo isso, a esperança é algo que nunca me abandona ao longo da leitura. O Desfile da Primavera não é excepção, é antes a confirmação da regra, Richard Yates é bom e as suas histórias são desconcertantes... Nem sei se devia gostar tanto delas... :)

Sarah e Emily são irmãs, filhas de pais separados. A mãe, Pookie é alguém que não sabe muito bem o que fazer da vida. Depois do divórcio, arrasta as filhas de casa em casa, sem conseguir ficar muito tempo num sítio. Dá muita importância às aparências e deposita todas as esperanças na filha mais velha, Sarah, bonita e inteligente, que de certeza casará bem e lhe abrirá as portas para a vida com que sempre sonhou. Não é má pessoa, é notório o amor que tem pelas filhas. Vejo-a mais como uma das muitas pessoas que deabulam pelo mundo sem orientação, sem ferramentas para vingar e para se integrarem, para viver todos os sonhos que têm. Sem nada que as destaque, acabam a viver num comprimento de onda distinto do dos que a rodeiam. E, embora não seja má pessoa acaba por afastar as filhas, que se tornaram o seu único projecto de vida. Projecto que infelizmente não lhe correu tão bem como esperava.
O pai trabalha como revisor num diário importante em Nova Iorque e, vai mantendo contacto com as filhas da forma que pode, acompanhando as incessantes mudanças da ex-mulher. É um homem que paira sobre a infância destas duas miúdas, marcando-a de forma positiva, mas sem fazer efectivamente a diferença na vida disfuncional que levam com mãe. É uma espécie de porto de abrigo, algo que as mantém ancoradas a alguma normalidade. E embora a hipótese de irem viver com ele, aparentemente nunca tenha sido considerada, sentimos enquanto leitores que é algo que só não acontece, porque pai e filhas sabem que isso seria o fim da frágil saúde mental da mãe.

E assim vão crescendo Sarah e Emily. Sarah, a mais velha, é bonita, encantadora e genuinamente boa pessoa. É inteligente e bem humorada, podemos dizer que é a normal da família. É um espírito simples, que apenas deseja ser feliz, sem grandes ambições para além de casar e ter filhos. Emily, uns anos mais nova, parece ter nascido já velha, preocupada com tudo, cheia de medos e inseguranças e com terror de ficar sozinha, é instável e egocêntrica. A sua personalidade é mais complexa, mais densa que a da irmã.
Quando crescem, a segura e divertida Sarah torna-se mais insegura e dependente, após anos de um casamento infeliz, que parecia ter tudo para ser um sucesso, a lutar para manter as aparências, a achar que o amor é apenas aquilo que a vida lhe deu a conhecer, fiel até à última estalada.
Emily, a menina que se recusava a ficar sozinha em casa, torna-se uma mulher independente, procurando colmatar as ansiedades com relações fugazes e através da bebida. Aliás a bebida é o que estas três mulheres acabam por ter em comum, bebem para esquecer. São sem qualquer dúvida alcoólicas e é, no fim, o álcool a única constante das suas vidas.
Emily parece incapaz de amar e de criar uma ligação verdadeira com alguém, embora goste da irmã, quando a oportunidade surge, nada faz para a ajudar, e mantém uma relação muito distante com a mãe. Tem tendência para se aproximar de homens com baixa auto-estima. Estes são os que ela acaba por deixar um dia, os que ela realmente gostaria de manter na sua vida, acabam por sair da dela. Emily não é, no entender destes homens, para casar.

Emily é uma espécie de narradora da história da família Grimes, porque é através dos olhos dela que conhecemos a mãe, o pai, a irmã, o cunhado e os sobrinhos. A última das Grimes, acaba sozinha como sempre temeu, consciente o suficiente para perceber que está a enlouquecer e que afinal é capaz de sentir, pelo menos remorso...

Gostei bastante, gosto muito da escrita e da ténue linha que Yates cria, com mestria, entre a dura realidade e o absurdo, a pura ficção, aqueles elementos que nos fazem manter os pés no chão, conscientes de que se trata de um livro. Gosto das personagens bem desenvolvidas e complexas, sem serem indecifráveis. Gosto da forma como nos aproxima dos sentimentos das personagens, sentimos os desconfortos, os dilemas morais que atravessam, a pontinha de felicidade que vislumbram e perseguem ou que deixam simplesmente passar, porque perseguir o que se quer exige muito mais do que aquilo que se está disposto a dar.

É triste? É.
É bom? É.
Recomendo? Claro!

Boas leituras!

Excerto:
"Mas parou de chorar abruptamente quando se apercebeu que até isso era mentira: aquelas lágrimas, tal como todas as outras que derramara durante toda a sua vida, eram apenas para ela - para a pobre e sensível Emily Grimes, que ninguém compreendia, e que não compreendia nada."

julho 10, 2013

A Letra Encarnada - Nathaniel Hawthorne

Título original: The Scarlet Letter
Ano da edição original: 1850
Autor: Nathaniel Hawthorne
Tradução: Fernando Pessoa
Editora: Publições Dom Quixote
"Um romance dramático e intenso, uma obra-prima.

«Embora eu prefira os seus inumeráveis rascunhos, apontamentos, esboços e pequenos textos de toda a ordem, "A Letra Encarnada" é um livro admirável daquele que foi, a par de Melville, o grande escritor americano do século dezanove. Aliás amigos íntimos (alguns insinuam que mais do que isso) professavam admiração recíproca. Hawthorne era um homem estranho. De beleza física invulgar foi um puritano toda a vida, sujeito a crises de desânimo e insegurança constantes. Valia-lhe o apoio da mulher, muito mais forte psicologicamente do que ele e que se manteve a seu lado numa dedicação inalterável. Este romance dramático e intenso é uma obra- -prima, como praticamente tudo o que o autor deixou. Curioso o facto de uma novela tão americana na sua trama essencial tocar o leitor de cultura muito diferente pelo jogo de emoções e temas. Apesar de, no fundo da alma, Hawthorne ser um moralista severo, é capaz de flagelar com arrebatamento a severidade essa parte de si mesmo, na autocrítica arrepiante a que procedeu toda a sua vida.»"

Este foi um livro muito difícil de ler, de continuar a ler, de acabar sem o deixar de parte... Logo no início, antes de o autor entrar na história de Hester Prynne, do reverendo Dimmsdale e da letra encarnada, há um prelúdio enfadonho sobre a vida numa alfândega algures no nenhures onde o autor foi parar e onde tropeça na letra encarnada de Hester. São páginas e páginas de uma escrita nada fluída, difícil de acompanhar e cujo tema pouco ou nada acrescenta ao que se vai contar. Confesso que não desisti de o ler porque não desisto de um livro com tão poucas páginas lidas e porque queria muito gostar dele... :-) 

Quando finalmente chegamos à história da letra encarnada de Hester o livro continua a não funcionar para mim. Percebe-se desde logo quem é o pai da pequena Pearl, filha do pecado, fruto de uma paixão proibida. Não havendo grandes revelações para contar, torna-se até irritante quando as coisas não são ditas abertamente, como se o leitor fosse burro... O ritmo da história é lento, e o livro poderia ter apenas dez páginas. Senti alguma dificuldade em situar-me na linha temporal da história, medida principalmente pela idade de Pearl que é uma criança estranha com comportamentos e pensamentos desadequados à idade que dizem ter

Enfim, pessoalmente estava à espera de algo mais inspirado, não me identifiquei com a escrita nem com a forma como a história é contada. As personagens até têm potencial mas perdem-se um pouco na história e acabam por ser todas muito bidimensionais e sem profundidade.

Deste não consigo dizer que gostei, será que toda a sua obra é assim? Espero que não... Se bem que, ao equipararem-no a Melville, não sei se Nathaniel Hawthorne é escritor para mim..

Boas leituras!

Excerto:
"O espaço em frente da cadeia, na travessa do mesmo nome, estava ocupado, em certa manhã de Verão, há não menos de duzentos anos, por um número razoavelmente grande de habitantes de Boston,todos eles com os olhos fitos na porta ferrada de carvalho. Entre qualquer outra população, ou em qualquer período posterior na história da Nova Inglaterra, a rigidez austera que petrificava os rostos barbados desta boa gente anunciaria que se tratava de qualquer assunto terrível. O menos que indicaria seria a antecipação da morte de qualquer criminoso célebre, a quem a sentença de  um tribunal legítimo não tinha senão confirmado a da opinião pública. Mas, naquela primitiva severidade do carácter puritano,uma conclusão desta ordem não podia ser tirada com segurança. Podia tratar-se de um servo mandrião, ou de uma criança desobediente, que os pais tivessem entregado às autoridades civis, para ser fustigada no pelourinho. Podia ser que o Antinomiano, um Quaker, ou qualquer outro membro de uma seita heterodoxa, estivesse para ser corrido às vergastadas para fora da cidade, ou que um índio vadio e vagabundo, que a aguardente do branco tivesse tornado turbulento, estivesse para ser devolvido pelo mesmo processo aos seio e à sombra das florestas.