outubro 04, 2015

Casa de Campo - José Donoso

Título original: Casa de Campo
Ano da edição original: 1978
Autor: José Donoso
Tradução do castelhano: Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Tenreiro Viseu
Editora: Cavalo de Ferro

"Romance escrito, segundo a crítica «com mão de mestre e cabeça de génio», Casa de Campo é um dos livros fundamentais na Obra de José Donoso e na literatura sul-americana.
A história narra os acontecimentos vividos durante alguns dias numa grande casa senhorial. A ausência temporária dos proprietários adultos origina que as crianças assumam o controlo da casa e a transformem, juntamente com os servos, em domínio erótico e febril.
Construída pela rica família Ventura, a casa, com os seus salões, quartos e caves labirínticas é um lugar de magnificência, mas também de convite à transgressão. Esta festiva irrupção de pulsões reprimidas propiciará durante alguns dias uma ruptura radical com a ordem social e a instauração de um novo mundo mágico, anárquico, exuberante, mas igualmente doloroso."

Não me recordo como foi que este livro acabou nas estantes aqui de casa. Gostei da capa, do preço mas principalmente acho que gostei da comparação com a obra máxima de William Golding, O Deus das Moscas (opinião aqui), e com o facto de ser um autor sul-americano. :)

Casa de Campo é uma metáfora ao Chile de Pinochet e Salvador Allende. José Donoso, procurou de forma metafórica, recriar nesta história uma parte da história do Chile, da sociedade chilena e da forma como se viveram os anos da ditadura de Pinochet.

Os Venturas, são uma família antiga, tradicional e muito rica. Fizeram e fortuna com a exploração de minas de ouro num lugar isolado, com mão de obra nativa. É para controlar a exploração e recolher os dividendos das minas, que todos os anos passam os três meses de Verão em Marulanda, na Casa de Campo. Reúnem toda a família, os adultos e os filhos, mais de trinta crianças e adolescentes, e um séquito impressionante de criados.
Os Ventura são um grupo estranho... Vivem numa espécie de mundo alternativo, afastados da realidade, condicionando todas as conversas e acontecimentos às suas próprias interpretações, por mais absurdas que estas sejam. Vivem uma farsa, que se transmite às crianças Ventura, praticamente ignoradas pelos pais durante os três meses que permanecem na Casa de Campo. São controlados pelos criados, um grupo comandado pelo Mordomo, escolhido todos os anos pelos Ventura de forma criteriosa. Este tem autorização para castigar todas as crianças que quebrarem as regras impostas pelos adultos, embora não seja incorruptível, é uma figura que todos aprendem a temer desde muito cedo. As crianças surgem, no príncipio, como um grupo mais ou menos homogéneo, sendo difícil muitas vezes distinguirem-se-lhes traços particulares. Tal como o núcleo dos adultos, são todos de certa forma iguais e formatados.

Quando os adultos decidem passar um dia inteiro fora, deixando as trinta e três crianças entregues a si próprias o dia inteiro, muitas das crianças vêem a oportunidade de se rebelarem contra as regras rígidas da família e pôr em marcha planos antigos de fuga. Alguns acreditam que os adultos nunca mais voltarão e por isso vão tentar criar uma sociedade mais justa na Casa de Campo, com a ajuda dos nativos, os temidos antropófagos, com quem estavam proibidos de falar, por serem selvagens perigosos e cheios de doenças.
O único adulto que fica na casa é o tio Adriano, um Ventura por casamento, que há anos vive fechado e sedado num quarto da casa, fazendo a viagem para a Casa de Campo, todos os anos, fechado numa espécie de jaula, como se fosse um animal. Adriano teve a ousadia de questionar as regras dos Venturas. Médico de profissão, preocupava-se com os nativos e tinha por hábito visitá-los para cuidar deles. Depois de uma tragédia se abater sobre ele, foi enclausurado pelos restantes familiares. Quando os adultos partem para seu passeio, Wenceslau liberta o pai e é sobre a orientação débil de Adriano que alguns dos miúdos Ventura tentam criar uma nova ordem na Casa de Campo.
Nesta sociedade, como é natural, existem os que nada querem modificar, que são forças de bloqueio, que conspiram para manterem as regalias que acreditam ser suas apenas e só porque nasceram na família Ventura.
Sem querer entrar em pormenores para não contar demais sobre o desenvolvimento da história, um dia transforma-se num ano e os criados, sob o comando do Mordomo, regressam para a Casa de Campo, com o objectivo de colocar tudo nos eixos. Preparar o regresso dos patrões, não se sabe bem quando, e receber as boas das palmadinhas nas costas pelo bom serviço prestado à família Ventura. Com o Mordomo e os serviçais, vem o medo, a repressão e a violência gratuita. Algumas das crianças resistem, mas no fim de contas, não passam de crianças que apenas querem os pais de volta, por mais negligentes que estes tenham sido, por piores que sejam e mesmo que o amor que recebam de volta seja apenas uma ilusão. 
Estas crianças são como um povo que procura num pai protector, conforto e alimento, sem questionar como é que isso lhes é entregue. Cresceram castradas, sem qualquer liberdade e tornam-se adultos com dificuldade em decidir, em pensar, em fazer diferente. Adultos com pouca empatia pelos outros e pelo bem-estar dos que os rodeiam. Não sabem como fazer melhor ou fazer diferente, sem consultar o pai, a entidade protectora que, ilusoriamente os mantém aquecidos e alimentados. 
E, no fim, nada disso importa, porque por mais que o homem faça, por mais que tente controlar os acontecimentos e o seu semelhante, será a natureza a vencer. Só ela permanecerá, milhões de anos após a nossa extinção, sem qualquer lembrança da nossa existência, indiferente à nossa passagem pela terra. :)

Confesso que tinha algumas expectativas relativamente a este livro e foi por isso que o escolhi para companhia nas férias. Infelizmente não me senti muito sintonizada com a história e com a forma como é contada por José Donoso. Percebo onde ele quer chegar, consigo perceber as metáforas e o paralelismo com a história recente do Chile. Percebo isso, gosto do que tenta fazer, mas pessoalmente não me senti envolvida. Estranhei a forma como tudo aquilo se desenrola, não senti que o que se passava era credível e, eu que até gosto de narradores metediços e que nos provoquem ao longo da leitura, achei o narrador aborrecido e inconveniente, cortando o ritmo da narrativa, já de si, lento e estranho. Depois disto tudo, não posso dizer que tenha gostado. Não me deixo de sentir frustrada por não ter gostado... Não odiei, não amei... preferia que tivesse sido diferente.

Independentemente da minha opinião menos boa, acho que posso recomendar. A verdade é que só li críticas boas ao livro e por isso acho que lhe podem dar uma oportunidade. :)

Boas leituras!

Excerto (pág. 30):
"A biblioteca dos Venturas não podia satisfazer os empenhos de aprendizagem de ninguém, como tambén não o podiam as declarações dos grandes a respeitos dos livros: «Ler só serve para estragar a vista»; «os livros são coisas de revolucionários e de professorzecos pretensiosos»; «Através dos livros ninguém consegue adquirir a cultura que o nosso exaltado berço nos proporcionou». Por estas razões, proibiam o acesso das crianças à extensa sala de quatro pisos guarnecidos com balaustradas e remates de pau-santo. Esta proibição, no entanto, não passava de uma das muitas proibições retóricas que eram utilizadas para domar as crianças: sabiam que por trás daqueles milhares de lombadas de peles soberbas não existiam uma só letra de forma. O bisavô mandou construí-los quando, num debate do Senado, um liberal de meia-tigela e muito resplendor lhe chamou «ignorante, como todos os da sua casta»."

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